Minha Mula Pocotó

Acontece quando chega agosto. De repente, me pego pensando nos mitos brasileiros. Gosto de folclore e por anos alimentei minha imaginação com figuras como o Curupira, Boitatá e Saci Pererê.

Um deles, em especial, povoou a minha cabeça por anos. Justamente um que não tinha cabeça. Falo da Mula, cuja primeira vez que ouvi falar foi através de minha mãe, contando as histórias para me fazer dormir.

Dizia se tratar de mulher de padre que, depois de morta, se transformava em Mula-Sem-Cabeça e saía soltando fogo pelas ventas e relinchando. Seu encanto só seria quebrado se alguém conseguisse tirar o freio de ferro que ela carregava.

Achava a história fascinante. Eu ouvia a lenda e ficava horas imaginando um grande animal lançando chamas desembestada pelas ventas. “Quem manda se casar com homem que usa saias?”, pensava eu, na minha ingenuidade. Mas Cavalo de Tróia que nada! Meu eqüino preferido era a Mula. Brasileiríssima, fogosa literalmente (tanto antes de se transformar em mula, imagino, como depois).

Ainda criança, quando tentavam me impressionar com as aventuras de Pegasus, eu rebatia com as qualidades da Mula. Duvido que o cavalo do Olimpo resistisse à baforada da descabeçada (em minutos, minha heroína faria do alazão alado churrasquinho grego). E mais: duvido que Belerofonte conseguisse montá-la, como fez no Pocotó da Grécia.

Recentemente, em conversa com amigos, o assunto veio à tona. Falava-se de mitos: celtas, gregos, hindus. Humildemente, defendi os mitos nacionais, ufanista que sou. Falei das virtudes do Saci, um moleque bem-humorado que fazia graça com uma perna só. Literalmente. E mesmo assim dava rasteira em qualquer Druida.

Duvido que mitos importados sejam tão bem-humorados quanto os nossos. Qual civilização, a não ser a brasileira, criaria um personagem de pés pra trás cuja única função era despistar suas eventuais vítimas? “O Curupira é um ninja!”, dizia para os meus amigos.

Fui enumerando as qualidades de cada um, fazendo questão de deixar a Mula-Sem-Cabeça por último, para fechar – imaginava – com chave de ouro. Meus planos foram por água abaixo quando um deles à mesa lançou a pergunta:

- Como ela conseguia lançar fogo pelas ventas se não tinha cabeça?

Nem tive tempo para usar a cabeça quando o outro emendou outra questão:

- E como ela conseguia relinchar se não tinha boca? Porque, a não ser a boca do estômago, não conheço outra que não fique na cabeça, concorda?

A tortura continuou com a pergunta definitiva:

- Me diga qual é o sujeito que conseguirá tirar o freio dela, já que freio de burra fica na boca?

Caí do cavalo com as patadas dadas por amigos inconseqüentes. No desespero, vi por um instante Pegasus se divertindo às custas da Mula, enquanto Belerofonte o cavalgava até as estrelas...

Ainda sinto as dores da desfeita. Mas confesso que estou pensando em provar a existência do animal. Alguma mulher aí está disposta a se casar com um padre?

  1. gravatar

    # by tapete vermelho - 1:18 PM

    kkkkkkkkkk
    ainda estou a rir!!
    eu sou portuguesa mas sempre me fascinei com as personagens miticas brasileiras principalmente esse traquina Saci Pererê sem uma perna e que fumava cachimbo, que quando aparecia eu ficava colada à tv!Muito bom!Para mim sempre pôs a cinderela a um canto!podes indicar-me um livro, contos, etc que fale mais sobre essas personagens brasileiras??obrigada!!