Cabras e Lagartos
Está na Bíblia – quem duvidar que dê uma espiada lá pelo décimo sexto capítulo de Levítico. Durante as cerimônias hebraicas do Yom Kippur (o Dia do Perdão ou Dia da Expiação), dois bodes eram levados ao Templo de Jerusalém como parte dos sacrifícios do povo. Lá, os sacerdotes sorteavam um dos animais para ser queimado em holocausto no altar. O segundo tornava-se o bode expiatório e sobre a sua cabeça o sacerdote punha as mãos e confessava os pecados do povo de Israel. Em sentido figurado, “bode expiatório” é alguém escolhido arbitrariamente para levar a culpa de uma calamidade ou qualquer evento negativo. No caso da política, o alguém em questão é o próprio bode, que bota literalmente os bofes pra fora em benefício de todo tipo de candidato. É, simbolicamente falando, o cabo eleitoral que todo postulante a cargo público deveria ter (cabra eleitoral, no caso da fêmea). Basta ser ano de eleição para que o apetite dos políticos se volte à buchada de bode. Mesmo que para isso tenham de fazer das tripas coração. Chegam aos rincões nordestinos dando alvíssaras à população. E recebem dela as víceras. De quem? Dele, o nosso amigo bode. O candidato que não se atrever a degustar o prato deixará a população cabreira. Para comer a iguaria, vale qualquer tipo de sacrifício. Até levar as mãos à cabeça, num ato desesperado de quem acaba de perceber onde foi amarrar o bode. Mas quem comeu garante: é coisa pra cabra macho. Mais do que a propaganda boca-a-boca, em época eleitoral o importante é fazer uma boquinha. Encher o bucho com o bucho do bode.Quando eu era pequeno, tinha um vizinho namorador que sempre recorria ao bode para avisar aos pais do perigo que representava para as moças solteiras. “Quem tiver suas cabritas que as prenda, porque o meu bode está solto”. Na minha inocência, eu ficava imaginando: esse tem futuro, vai ser político. Não sei se ele chegou a comer buchada, mas pelo ar de felicidade com que sempre andava, deve ter provado muito do animal – das fêmeas da espécie, em particular. Outro pensamento que me apoquentava o quengo quando criança era de que todos os restaurantes de Brasília deviam ser especializados em buchada. “Se os candidatos comem tanto, então todo frege-mosca deve ter a iguaria”, pensava. Frege-mosca era maneira de dizer, porque nenhum deputado que se preze iria perder tempo com moscas, ora essas. E por muito tempo alimentei esse raciocínio. Chegava a imaginar parlamentares vestidos de gibões – era assim que eles se apresentavam na TV. E a TV, pensava, não é político. Não mente.Passados milhares de anos, os políticos brasileiros continuam repetindo as cerimônias hebraicas do Yom Kippur, visando, claro, o dia mais importante para eles (este ano, o primeiro de outubro). Fazem o sacrifício de comer a buchada para estar quites com a população, usada, na maioria das vezes, como bode expiatório.
This entry was posted on 1 de setembro de 2006 at 9:12 PM. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.
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