Em Nome do Pai

Cena do filme Ladrões de Bicicleta
Estranho falar de pai no Dia das Mães. Mas me lembrei disso agora, depois de almoçar com a minha família, para celebrar o dia de uma grande mulher na minha vida. Quando morava com meus pais, um dos grandes prazeres era almoçar em família. Criança, gostava de esperar à porta meu pai chegar do trabalho, cansado mas feliz. Ajudava-o com os apetrechos que trazia na velha Monark 61, na qual ele adaptou um espaço para ouvir rádio, um dos seus maiores prazeres. “Cuidado”, pedia ele, ao me entregar o aparelho que o acompanhava o dia inteiro pelas ruas da cidade. Tínhamos fome, mas não podíamos almoçar sem a sua presença. Não era medo. Era, antes de tudo, respeito e admiração. Estava ali, na cabeça da mesa, o homem que nos dava fortaleza, que chegava suado, feliz e cheio de histórias para contar. Fazíamos fila para esperá-lo. Sortudo quem tinha o privilégio de segurar o tão precioso aparelho inventado por Guglielmo Marconi. Eu tinha inveja do rádio, é verdade, e por isso fiquei feliz quando ele o estourou no chão, depois de ver o Vasco perder para o Palmeiras, pela Libertadores das Américas. O jogo em si não era importante, mas a vitória vascaína lhe valeria o prêmio acumulado da Loteria Esportiva. Fora o único jogo em que ele errou o prognóstico. Quando me explicou, eu juro que minha mente infantil viu milhares de cruzeiros rolando pela casa em cada peça do rádio espalhada pelo chão. Depois, ao me ver assustado, ele me chamou, afagou meus cabelos e disse que estava mesmo precisando trocar de rádio. Ali, aos seis anos, eu ganhei duas paixões: o amor pelo meu pai e pelo Vasco da Gama. “Quem quebra algo de que gosta muito pelo time do coração é porque há algo muito especial naquilo”, pensei, algum tempo depois. Almoçar com meu pai era como me sentir herói num dia comum. “Conta aquela história da Loteria”, a gente pedia, esquecendo-se completamente de levar comida à boca. E ele tomava conta da mesa, não sem antes brigar conosco para que comêssemos. Mas fazia questão de perguntar, antes de contar suas “aventuras”, como tinha sido o nosso dia. Ouvi de alguém recentemente: “me espanta minha filha desabafar para um estranho. Deve haver algo errado”. E há. A maioria dos pais quer o melhor para os filhos, é verdade, mas se esquece de ouvi-los. E por esquecer, dita o que é melhor – no caso, o que é mais cômodo para eles, pais. Recentemente, minha filha cogitou a ideia de mudar de escola. Escolhera um colégio de aprendizado difícil e puxado. Claro que me preocupei. A mãe dela, sensata, marcou uma reunião com os três – uma atitude louvável principalmente quando se é pai separado. Ponderamos sobre a dificuldade da nova escola. Ela argumentou que as amigas iriam estudar lá, e isso seria um bom motivo. “Você está preparada para fazer esse sacrifício por um amigo?”, questionei. “Lembre-se: não se frustre se esse amigo não estiver apto a fazer o mesmo por você. Faça sem exigir nada em troca, certo? Pode ter certeza que a gente vai estar do seu lado”, completei. Ela sabia o que queria. Valia a pena sim. “Uma criança de nove anos não tem querer”, poderiam falar. Tem querer sim. É ela quem vai enfrentar diariamente o local em que estuda. Se não se sentir bem, que prazer terá em acordar para ir a um lugar do qual não gosta? Com o tempo, ela mesma ponderou e fez as amigas mudarem de ideia. Acabou escolhendo a escola que eu havia pensado. Mas por quê isso? Porque demos a opção de ela escolher o melhor para si, sem ditar regras nem exigir o impossível. Ela tem nos pais um espelho. E fez questão de fazer com que as amigas se vissem através dele. Sua escolha me fora comunicada a caminho da escola dela. “Pai, você estava certo”, disse. “E vai ter uma coisa muito boa nisso tudo”, completou. Eu quis saber o que era. “Vamos poder almoçar juntos, quando você me pegar na escola”. Imediatamente me vi criança, esperando meu pai para ouvir suas histórias de meio-dia. E você, quando foi a última vez que almoçou com seu filho?

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    # by Karla Patricia - 5:53 PM

    Respondendo sua pergunta: ontem, no shopping, mas confesso que fazia um tempinho que isso não era possível. Vc tem toda razão qdo diz que nós pais ouvimos mto pouco os sentimentos dos nossos filhos. Seu texto me propocionou essa reflexão (obrigada!) a ponto de que de agora em diante vou parar mais pra isso: ouvir minha filha. A correria do dia a dia às vezes nos deixa como surdos e cegos a certos detalhes que no futuro fazem mta diferença.
    Adorei (como sempre) ... Bjos!

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    # by Anônimo - 6:24 PM

    Que texto mais lindo! Eu nem sabia dessas histórias do painho hehe te amão irmão.
    Beijo, Gabi.

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    # by Débora Guedes - 4:29 PM

    Sua história abriu a página para eu contar um fato da minha vida...
    Quem sabe quando parar de doer, eu conte no blog, né?

    Adianto apenas, que é completamente o inverso da sua e que por ser o inverso, ainda hoje, na fase adulta, fico PT (e não é o partido), quando não permitem que eu fale, que eu expresse minhas opiniões.

    Um dia eu conto, porque agora, ainda dói muito.

    Texto lindo, assim como teu coração.

    Abraços.

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    # by Débora Guedes - 8:32 PM

    Quando você postou "Os melhores blogs e sites do Brasil" fui correndo procurar o teu. E não é que encontrei? kkkkkkk. (Ah! Eu já sabia!!!!)

    Mil abraços, mil felicidades e continue assim: jogando sementes de alegria e amor por onde passas.

    beijocas

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    # by Diana - 7:20 PM

    Poxa, adorei o texto! Não tenho filhos ainda, mas pretendo ter e sei o quanto é importante um simples almoço em família em meio ao caos que vivemos. Estou começando a blogar agora e fico feliz de ter me deparado com o seu blog...

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    # by Anônimo - 7:52 PM

    Com o meu filho almoçei hoje...porém...
    vendo toda essa história maravilhosa,não foi dificil viajar um pouco...até a princesinha do agreste e, lembrar do meu querido pai.Já faz 5 meses que não o vejo, nem almoço com ele.
    Você me fez recordar meu dias na infancia, com meu pai e todos os manos sentados a mesa. tínhamos que fazer uma disputa para sentar mais proximo dele. sabendo porém, que num simples tocar dos dentes nos talheres...era falta de educação e aí, começava uma ladainha: (como diz minha mãe Tecêda.Era briga na certa.
    Mais uma vez, te parabenizo primo.

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    # by Alexandre - 3:18 PM

    Caro Carlos, na boa, qual é a sua?
    Eu rolo de rir com seus tweets e quase choro no seu blog. Fico por entender, mas gostando dos dois.

    Parabéns pelos textos.

    Se tiver um tempinho, dá uma olhada nessa série que eu e meus irmão estamos escrevento "Coisas que aprendi com meu pai"

    http://www.ministerioelo.com.br/Home/publicacoes.aspx?m=15&p=62

    E se tiver mais tempo ainda, dá uma olhada no meu blog de crônicas: www.alexadreh.com.br

    Abs

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    # by Kelmenn Freitas - 11:59 AM

    Lá em casa era a mesma coisa Nealdo. O almoço podia já estar pronto, ao meio-dia, mas todo mundo esperava o velho chegar. E ninguém achava ruim - o "ritual" só estava completo com ele sentado à mesa, e a TV alardeando o Globo Esporte ao fundo. Hoje isso só acontece uma, duas vezes por ano. E quando acontece é como se eu tivesse oito, nove anos novamente...