A máquina do tempo

Agora eu posso me sentar no banco da frente”, disse-me ela, com orgulho e um sorriso no rosto, um dia depois de fazer dez anos. Naquele momento, minha filha estava conquistando algo muito além do que o previsto nas leis de trânsito. “Eu já posso até viajar no banco da frente”, disse, enquanto colocava o sinto de segurança, deixando-me inseguro em pensamentos que viajavam para um lugar que eu não queria. Por instantes, me lembrei da criança que eu costumava transportar no bando traseiro do carro, presa ao sinto e devidamente acomodada numa cadeira específica para a sua idade. “O tempo passa, meu amigo, e não costuma respeitar sinal fechado”, disse-me um colega de trabalho ao me ver chegar macambúzio, depois de ter deixado a Isa na porta da escola para sua primeira viagem longa sem a companhia dos pais. Na noite anterior, fui dormir com um sentimento estranho. Não era preocupação – a escola sabia o que estava fazendo ao programar a excursão das turmas de quinto ano. Era uma sensação de impotência, parecida com aquela que a gente sente quando o filho adoece e não consegue fazer nada a não ser sofrer. Quando a vi com a bagagem, percebi como era inevitável aquela viagem, porque crescer é como comprar uma passagem sem volta, sem direito à parada nas estações do tempo. “Pai, estou levando a Bonequinha comigo, não consigo dormir sem ela”, justificou, falando sobre a boneca que lhe dei quando ela tinha dois anos de idade. Ao chegar à escola, onde o ônibus já aguardava para o embarque, tratei de conferir a sua companhia infantil. Abri a pequena mala e minhas memórias percorreram um caminho de volta. Estava ali, parecendo adormecida, o maior símbolo da criança que minha filha ainda é. “Cuida bem dela, Boneca”, falei baixinho, voltando a fechar a malinha. “Pode deixar, pai”, respondi para mim mesmo, assumindo o papel da amiguinha inseparável nas horas do sono. Quieto, a vi subir no ônibus, levando a sua infância numa nécessaire. E ao entrar no carro depois de deixá-la, ainda olhei pro banco traseiro, na esperança de encontrar sentada aquela criança que um dia precisava de ajuda para se locomover...

  1. gravatar

    # by Anônimo - 12:08 PM

    Carlos,

    Há algum tempo eu acompanho seu blog. Gosto muito de tudo o que você escreve, mas particularmente, dos posts que você faz para a sua filha me emocionam às lágrimas. Eu tenho inveja da Isa. Inveja como filha de um pai ausente que foi o meu, separado da minha mãe desde que eu era ainda muito pequena para entender porque ele me deixou dizendo que voltaria e nunca mais deu sinal de vida. E leio coisas como este último texto e me lembro que ainda há pais bons para os filhos, que demonstram o seu amor em pequenos gestos. Quantas vezes eu não quis que meu pai estivesse na porta da escola, quando eu saísse... Quantas vezes eu não desejei que ele estivesse me vendo na apresentação de Páscoa, vestida ridiculamente de coelho... Ah, se ele soubesse que eu me apresentava para ele... Aí leio isso (me perdoe o desabafo) e vejo como vocês são cúmplices, amigos, irmãos, pai e filha. Eu leio tudo o que você escreve e tenho pena do meu pai, por não ter aproveitado tudo o que podia aproveitar ao meu lado. Hoje, depois da adulta, passei a ser a mãe do meu próprio pai, em vez de ser a amiga que um dia eu queria ter sido. Eu tenho orgulho da sua filha, um orgulho de quem gostaria de estar no lugar dela e aproveitar todo esse amor que há entre vocês. Que Deus abençoe os dois, hoje, amanhã e depois.
    Com carinho,

    Suzana.

  2. gravatar

    # by Débora Guedes - 9:28 PM

    Nealdo,

    Lembro da primeira vez que te "vi" lendo o post "Ratatouille". Foi uma sensação meio doida a minha, porque eu queria que aquele pai, no caso você, fosse o meu. Passei a "conhecê-lo" melhor através de seus textos e a cada post sobre Isa, lembrava do meu pai quando eu ainda era pequena. A forma como ele me olhava, me abraçava, defendia. Aquela criatura era pra mim o sinônimo de amor. Mas um dia, ele resolveu sair de casa e penso que na cabeça dele, ao deixar a casa, deixava também a afetividade, o carinho, o amor e a única filha para trás. Não sei dizer o que sinto por ele.
    Penso que é amor, porque não sinto rancor.
    Penso que é saudade, porque quando o encontro na rua, a vontade é de sentar no seu colo;
    Penso que é tristeza, porque se ele não tivesse se separado de minha mãe, minha vida teria sido muito diferente.
    Ontem (sexta-feira), a um pedido meu, ele foi lá em casa parafusar um varão de cortina com sua furadeira meio capenga. Olhei aquele homem de 60 anos, cabelos prateados, pele muito branca, olhos castanhos e alto como um deus. Senti saudades de novo. Comecei a cantarolar uma música do Roberto Carlos, como se eu quisesse fazer tudo o que a letra dizia porém acho que ele não entendeu minha intenção.
    Agora, nesse exato momento, os olhos marejam de lágrimas, porque lembro que um dia, em um tempo distante, eu tive tudo, inclusive o amor do meu pai.
    Hoje, apenas relembro e vivo agarrada nessa lembrança infantil, como se eu entrasse na máquina do tempo todas as vezes que leio seus textos.

    Beijocas!

  3. gravatar

    # by Anônimo - 11:08 AM

    Eita, q eu tava com saudade da Isa no blog. Belo texto.

    Arthur

  4. gravatar

    # by Karla Patricia - 11:28 PM

    Lindo ...lindo...lindo... :'(

    Eu sinto um pouco disso tmb... minha filha a cada dia tá crescendo, eu envelhecendo kkkk e a sensação é como se tivesse perdendo o "controle" da situação. A menina frágil, dependente, tá sumindo a cada dia, dando espaço pra uma adolescente... depois uma mulher... bem...esquece,e apesar se ser a lei natural, não gosto nem de imaginar kkkkk
    Adorei!!!!!! Adoro sempre!!!!
    Bjosssss!!!