A velha ponte


“Sempre que fico deprimido com o estado do mundo, penso no portão de desembarque do aeroporto de Heathrow. A opinião geral é de que vivemos num mundo de ódio e ganância, mas eu não vejo assim. Me parece que o amor está em toda parte. Às vezes não é tão dignificado ou digno de nota, mas está sempre lá. Pais e filhos, mães e filhas, maridos e esposas, namorados, namoradas, velhos amigos. Quando os aviões bateram nas Torres Gêmeas, até onde eu saiba, nenhum dos telefonemas dos passageiros eram mensagens de ódio ou vingança. Eram todas mensagens de amor...”
(Love Actually)

Havia, no velho bairro de Jaraguá, em Maceió, uma ponte – de onde partiam e chegavam pessoas e embarcações de vários lugares do mundo. Ficava ao lado de onde hoje está localizado o Museu da Imagem e do Som de Alagoas. A maioria da população a chamava de Ponte do Embarque. Mas havia um poeta que preferia chamá-la de Ponte do Desembarque. “Porque não há abraço mais gostoso do que o da chegada”, justificava ele. Quando minha filha chegou à minha casa para passar parte das férias e me deu um abraço, eu entendi o que queria dizer o poeta. Quem chega, vem carregado de saudade e vestido de sorrisos. E sorriso é uma roupa que todo mundo gostaria de usar, porque não é peça cara nem se vende em loja de departamento. Durante uma semana, convivendo dia e noite com a Isa, eu pude relembrar como é bom compartilhar pequenos prazeres: ler antes de dormir; ver um filme em dia de chuva, coberto com edredom; comer pipoca com ketchup e queijo ralado; deitar na rede à noite, para observar as estrelas pontilhando o céu... Ao longo desse tempo, visitamos museus (“Fui a dois museus hoje! No Théo Brandão e no Floriano Peixoto, adorei os dois!”, registrou ela, no Twitter), brincamos, fomos ao cinema e vimos muitos filmes na TV (“Assistindo ‘UP – Altas Aventuras” na casa do meu pai! Adoro esse filme! Recomendo a vocês, gente!”). E quando o dia chuvoso nos impediu de sair, simplesmente ficamos fazendo guerra de travesseiros ou rindo um do outro. “Eu e meu pai fazendo presepadas”, tuitou, depois. Ao final de uma semana – e prestes a deixá-la em casa – perguntei-lhe o que tinha achado de ter ficado comigo esse tempo. “De zero a dez?”, quis saber. “Sim, de zero a dez”, respondi, olhando pra ela, que se deliciava com uma fatia de pizza. “Nove e meio, pai”, disse, voltando a morder a massa. (Confesso que a gente sempre espera um dez nessas horas. Mas nove e meio estava de bom tamanho). Fiquei feliz com o resultado. Mesmo assim, movido por uma curiosidade ordinária, quis saber o por quê da nota. “Porque eu tenho que deixar você”. E aí eu me lembrei do poeta, vendo velhos amigos, amantes e famílias voltando de longe pela antiga ponte. “Porque abraço de partida, meu branco, é desgarrar de alma”...