Diário de Borda em... Cardápio

Sou redator. Desempregado. Ando em itálico, assim, pendido pro lado. Antes andava em letras garrafais, corpo 72, parecia manchete exclusiva de jornal. Um furo jornalístico, daqueles que todo mundo se interessa. Hoje estou mais para anúncio de classificados pedindo emprego, espremido em corpo 8, que ninguém lê. Restou-me só o furo. No estômago. De fome. O furo e os jornais de ontem, que levo para seu Francisco, o peixeiro que usa as páginas policiais para embrulhar robalo. E me paga geralmente com promessa, que repasso imediatamente para São Jorge, meu santo protetor, que não tem atendido às minhas preces ultimamente. Mas entendo. Promessa repassada não deve ser lá grandes coisas. Ademais, São Jorge é de lua, fazer o quê? O fato é que ando tão fraco que outro dia gritei meu nome para as montanhas, na esperança de ouvir o eco, e o eco respondeu: “O quê? O quê? O quê?”. As coisas na pizzaria voltaram à normalidade. Contrataram uma moça para o tele-atendimento, a Bebé. De Bernadete.  O apelido é consequência da gagueira. Não minha. Dela. O lado bom é que ela não usa o gerúndio. Não dá tempo. A indicação foi de seu Armando Pinto, o segurança cego da Ex-Fome Ado, que alega ter enxergado qualidades na moça. Seu Armando cultiva hábitos estranhos. Tem um revólver a quem chama carinhosamente de fábrica de azeitonas. “Ótimo acompanhamento para pizza de presunto”, ele fala. Bebé se adaptou bem ao trabalho. E tem conseguido desenrolar todas as ligações. As duas, a da tarde e a da noite. É o que dá tempo atender. O dono da pizzaria já pensa inclusive em mudar o cardápio da casa. Semana que vem fará testes com pizza pó-pó, que era conhecida antes como portuguesa, e de cá-cá, a famosa calabresa. Tudo para facilitar a vida de Bebé, que tem rosto de bebê. Não é gagueira. É rosto de criança me-mesmo. (Agora é). Terminei mais um capítulo d’O Manual do Onanista. À mão, por falta de computador, que continua quebrado. Dei-lhe o título de “A vida (do onanista) é a arte do desencontro, embora haja muito encontros pela vida”. Sou um poeta às avessas, pensei. E fui preparar uma sopa de letrinhas para comemorar. Restaram pouquíssimas letras no pacote. Deu apenas para formar um bobó de cá-cá, que deveria ser um bobó de camarão. Comi mesmo assim. Em homenagem à Bebé.