A arte de equilibrar palavras


Está no Aurélio. Diabolô é um “brinquedo que consiste em aparar num cordel estirado, atado pelas pontas a duas varas, uma espécie de carretel com o centro mais fino que o resto, que se atira no ar”. Vendo assim,até parece fácil fazer firulas com o instrumento. Quem já tentou, no entanto, sabe que não é verdade, e que nem sempre é possível dominar o brinquedo. Pois bem. Escrever é como tentar equilibrar a palavra (carretel) num barbante estirado. É bem sucedido quem além de conseguir o equilíbrio, mostrar desenvoltura no malabarismo. É exatamente isso o que consegue Nilton Resende em seu novo livro – não por acaso batizado de “Diabolô”. Ao longo de seus nove contos, o escritor conduz a palavra sem deixá-la cair, mostrando que domínio literário é brinquedo em suas mãos. A literatura de Nilton Resende se atira no ar como o carretel do diabolô, e escorre com languidezpela linha estirada do papel. O malabarismo do brinquedo infantil é “metaforicamente” representado com frases bem construídas, como esta, de “A ceia”, o conto que abre o livro com voraz apetite literário: “Mordo e sinto mastigar o velho, as migalhas saindo pelos cantos como se uns dedos tentassem escapar”.E há frases que causam incômodo pela beleza que chega na hora errada: “Diz isso e dá uma tossida, engasgada no riso por causa da dança que o homem faz agora...”. Inevitável a sensação de desconforto do engasgar-se sorrindo descrito assim, de forma poética. Nilton Resende sabe o que fazer com diabolô. Apresenta-se ao leitor e vai conduzindo seu brinquedo literário e nos surpreendendo com movimentos precisos e, por sê-los, grandes. “O mamoeiro macho não dá frutos, mas apenas flores que prometem tornarem-se mamões, sendo apenas flores que não vingam, e sequer servem a que sejam cheiradas, tão sem perfume”, diz ele em “Ofício”, sem firulas, porque ele sabe muito bem como dominar o brinquedo. Inevitável perceber que o escritor bebe da palavra de Hilda Hilst – a ela é dedicado o livro. Mas há mais do que Hilst em “Diabolô”. “Casaram-se numa quinta-feira”, por exemplo, mantém a mesma estrutura narrativa de “A Galinha Degolada”, do excelente contista uruguaio Horácio Quiroga, com sua narrativa levemente angustiante e – por que não? – bela.Ganha o leitor, que tem em mãos um conto para ser lido e relido. Como o é todo o livro: um diabolô que a gente brinca, guarda-o e torna a lançar mão para continuar se deliciando com a brincadeira.

Livro: “Diabolô” (contos);115 páginas, Edufal.
Autor: Nilton Resende
Preço: R$ 25